“O problema da proibição do incesto não consiste tanto em procurar que configurações históricas, diferentes segundo os grupos, explicam as modalidades da instituição em tal ou tal sociedade em particular, mas procurar que causas profundas e omnipresentes fazem com que, em todas as sociedades e todas as épocas, exista uma regulamentação das relações entre os sexos.”
Lévi-Strauss, Claude, As Estruturas Elementares do Parentesco, Vozes, Petrópolis, 1982
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De acordo com Lévi-Strauss, ainda que fosse possível analisar-se a lei do incesto de um ponto de vista particular, analisando quais as «configurações históricas [que], diferentes segundo os grupos, explicam as modalidades da instituição em tal ou tal sociedade» (Lévi-Strauss, 1982), este autor preferiu atribuir-lhe o estatuto da norma que define a passagem do âmbito da natureza para o âmbito da intervenção cultural e, portanto, humana, sobre as normas naturais. A lei do incesto – ou a lei que determina a sua proibição – surge, então, analisada conjuntamente com a exogamia, a troca e a reciprocidade e é explicada não por motivos psicológicos, mas por motivos sociológicos. Ao originar a exogamia, que obriga a procurar mulheres noutro local que não o próprio grupo de parentesco, a proibição do incesto, de acordo com Lévi-Strauss funda a vida social e, como tal, a história da influência da cultura sobre as normas naturais – «assegura a primazia do social sobre o biológico, do cultural sobre o natural» (Lévi-Strauss, 1982).
«Lévi-Strauss coloca a aliança no terreno dos contratos e das dívidas, assentando uns e outros numa confiança recíproca» (Christian Ghasarian, 1999). «A natureza impõe a aliança sem a determinar; e a cultura recebe-a para logo lhe definir as modalidades» (Lévi-Strauss, 1982). Lévi-Strauss vai associar o tabu do incesto ao estabelecimento de alianças – entendam-se, exogâmicas – entre grupos de parentesco, isto porque estes devem estabelecer bases relacionais estáveis e pacíficas. A regra de exogamia origina cooperação e entreajuda com base no princípio de reciprocidade, o que torna a proibição do incesto na expressão negativa de uma lei de troca (de mulheres) e na expressão parcial do princípio da reciprocidade (Christian Ghasarian, 1999).
A proibição do incesto nem sempre se exprime em função do parentesco real, mas tem sempre por objecto «os indivíduos que se dirigem uns aos outros empregando certos termos» (Maurice Godelier, s.d.). «A proibição do incesto exprime a passagem do facto natural da consanguinidade ao facto cultural da aliança» (Maurice Godelier, s.d.). «A proibição do incesto constitui uma certa forma (…) de intervenção» (Maurice Godelier, s.d.).
Ora, uma vez sabendo que as modalidades de proibição do incesto nem sempre se prendem com o parentesco real, é possível concluir pela arbitrariedade da norma: ainda que o seu princípio seja universal e comum a todas as sociedades, as suas particularidades «variam consideravelmente no tempo e no espaço» (Christian Ghasarian, 1999). Resta saber quais as «causas profundas e omnipresentes fazem com que, em todas as sociedades e todas as épocas, exista uma regulamentação das relações entre os sexos» (Lévi-Strauss, 1982).
Qual o motivo da presença da lei de proibição do incesto em todas as sociedades? De acordo com Lévi-Strauss (1982), a proibição do incesto, encontra-se na base de todas as relações sociais e, como tal, funda a vida social; é a necessidade de se relacionar com os seus semelhantes que origina a lei da proibição do incesto que, por sua vez está na origem das relações sociais. A lei da proibição do incesto seria, então, pré-social.
Ora, vendo o Homem como ser social, é comum que produza normas com base à regulamentação dos seus relacionamentos com os seus semelhantes. Ainda que a lei da proibição do incesto possa ser comum a todas as sociedades, não significa que seja a base de todas as relações sociais, uma vez que a regulamentação das relações de parentesco e/ou entre os sexos poderá ter derivado de todo um leque de conflitos/contra-tempos originados pelas relações sociais [incestuosas] já existentes. Assim sendo, e apesar de se encontrar presente em todas as sociedades, esta norma poderá visar a protecção das relações de parentesco mas não de todas as relações sociais. Uma vez que as normas de proibição de relações incestuosas são arbitrárias, o parentesco surge como uma relação que pode nem sempre ser biológica – caso dos Bosquímanes, que estendem essa proibição a indivíduos que vivem sob o mesmo tecto e aos adoptados –, mas sempre como um dos tipos de relação social a salvaguardar. O parentesco surge como o elo máximo das relações sociais, o que não parece ser suficiente para definir a lei da proibição do incesto como base do estabelecimento das sociedades.
Bibliografia
Gaudelier, Maurice. Horizontes da Antropologia. 70, Col. Perspectivas do Homem. 14. s.d. (Original: 1973)
Lévi-Strauss, Claude. Estruturas Elementares do Parentesco. Vozes. Petrópolis. 1982
Ghasarian, Christian. Introdução ao Estudo do Parentesco. Terramar. 1999
3 comentários:
http://www.youtube.com/watch?v=bTqlCuWK0ok
se o meu irmão gémeo fosse o louis garrel...
huh?
O biológico determina a aliança, mas não o modo em que ela deve ocorrer. A cultura ocupa o vazio deixado pela natureza através da troca das mulheres. Assim como o alimento, a mulher é um bem escasso e precioso demais para ser deixado a individualidade, a distribuição desses bens preciosos deve ser feita pelo social, assim evitando a poligamia. É por meio da distribuição das mulheres (exogamia, lei do incesto, reciprocidade ) que se dá o social e o cultural. O que aconteceria se não houvesse a proibição do incesto?
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