segunda-feira, 20 de julho de 2009

Declaração de amor (IV)

Olho para os meus três filhos e vejo a imagem da pessoa com quem me juntei. São bonitos, saudáveis, felizes. Gostam de brincar uns com os outros e dão-se bem com as outras crianças.
O primogénito gosta de correr e de saltar; não gosta de estar parado. Gosta de jogar à bola, andar de bicicleta, de patins, gosta de andar a pé horas e horas e parece nunca se cansar. Não consegue estar sentado à mesa durante muito tempo sem mexer os pés. É por isso que é tão magro, mas tem umas pernas bonitas mas musculadas e um corpo todo ele arredondado mas marcado pela masculinidade que o caracteriza. Tem um coração de ouro e todos gostam dele.
As gémeas provocam inveja às amigas e fazem parar os jogos de futebol dos rapazes, quando chegam perto. Todos os meninos admiram a sua beleza, mas elas não se deixam tocar! Dizem, com desenvoltura, que são "demasiado novas para pensar em namorados". Já o meu irmão dizia a mesma coisa em relação às meninas que lhe achavam piada. O engraçado é que uma gosta de usar calças por não se sentir confortável de saias; a outra prefere as saias e faz pouco da irmã que se veste "à menino".
Gostam de comer muito e bem e não são esquisitos com as saladas.
À noite, não tardam a adormecer mas gostam de uma boa história contada pelo pai ou pela mãe. O meu filho, não tanto. Gosta de ler o seu livrinho de histórias sozinho no quarto; mas nunca adormece sem apagar a luz primeiro. As meninas ainda gostam de ouvir uma boa história encostadas a mim ou à mãe. Como vez à vez uma tinha de abdicar dos miminhos do pai ou da mãe, tivemos de trocar as camas delas por uma cama de casal para que se pudessem encostar à mãe ou a mim enquanto lhes contamos a história de embalar. Preferem dormir juntas a abdicar dos miminhos para adormecer.

Se este é o resultado da pessoa em que me tornei, então só tenho de admitir que gosto da vida que tenho. Nem tudo na minha vida é perfeito, mas o dia enche-se de alegria com estes pequenos momentos que acontecem desde que entro em casa até adormecer para começar um novo dia. Além disso, sei que te tenho a meu lado. És a minha companhia, a minha fonte de força, a minha luz, o meu prazer e a minha paz. Sem ti nada seria igual, mas sabes que não te amo.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

O que eu penso... da lei do incesto segundo Lévi-Strauss

“O problema da proibição do incesto não consiste tanto em procurar que configurações históricas, diferentes segundo os grupos, explicam as modalidades da instituição em tal ou tal sociedade em particular, mas procurar que causas profundas e omnipresentes fazem com que, em todas as sociedades e todas as épocas, exista uma regulamentação das relações entre os sexos.”

Lévi-Strauss, Claude, As Estruturas Elementares do Parentesco, Vozes, Petrópolis, 1982


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De acordo com Lévi-Strauss, ainda que fosse possível analisar-se a lei do incesto de um ponto de vista particular, analisando quais as «configurações históricas [que], diferentes segundo os grupos, explicam as modalidades da instituição em tal ou tal sociedade» (Lévi-Strauss, 1982), este autor preferiu atribuir-lhe o estatuto da norma que define a passagem do âmbito da natureza para o âmbito da intervenção cultural e, portanto, humana, sobre as normas naturais. A lei do incesto – ou a lei que determina a sua proibição – surge, então, analisada conjuntamente com a exogamia, a troca e a reciprocidade e é explicada não por motivos psicológicos, mas por motivos sociológicos. Ao originar a exogamia, que obriga a procurar mulheres noutro local que não o próprio grupo de parentesco, a proibição do incesto, de acordo com Lévi-Strauss funda a vida social e, como tal, a história da influência da cultura sobre as normas naturais – «assegura a primazia do social sobre o biológico, do cultural sobre o natural» (Lévi-Strauss, 1982).

«Lévi-Strauss coloca a aliança no terreno dos contratos e das dívidas, assentando uns e outros numa confiança recíproca» (Christian Ghasarian, 1999). «A natureza impõe a aliança sem a determinar; e a cultura recebe-a para logo lhe definir as modalidades» (Lévi-Strauss, 1982). Lévi-Strauss vai associar o tabu do incesto ao estabelecimento de alianças – entendam-se, exogâmicas – entre grupos de parentesco, isto porque estes devem estabelecer bases relacionais estáveis e pacíficas. A regra de exogamia origina cooperação e entreajuda com base no princípio de reciprocidade, o que torna a proibição do incesto na expressão negativa de uma lei de troca (de mulheres) e na expressão parcial do princípio da reciprocidade (Christian Ghasarian, 1999).

A proibição do incesto nem sempre se exprime em função do parentesco real, mas tem sempre por objecto «os indivíduos que se dirigem uns aos outros empregando certos termos» (Maurice Godelier, s.d.). «A proibição do incesto exprime a passagem do facto natural da consanguinidade ao facto cultural da aliança» (Maurice Godelier, s.d.). «A proibição do incesto constitui uma certa forma (…) de intervenção» (Maurice Godelier, s.d.).

Ora, uma vez sabendo que as modalidades de proibição do incesto nem sempre se prendem com o parentesco real, é possível concluir pela arbitrariedade da norma: ainda que o seu princípio seja universal e comum a todas as sociedades, as suas particularidades «variam consideravelmente no tempo e no espaço» (Christian Ghasarian, 1999). Resta saber quais as «causas profundas e omnipresentes fazem com que, em todas as sociedades e todas as épocas, exista uma regulamentação das relações entre os sexos» (Lévi-Strauss, 1982).

Qual o motivo da presença da lei de proibição do incesto em todas as sociedades? De acordo com Lévi-Strauss (1982), a proibição do incesto, encontra-se na base de todas as relações sociais e, como tal, funda a vida social; é a necessidade de se relacionar com os seus semelhantes que origina a lei da proibição do incesto que, por sua vez está na origem das relações sociais. A lei da proibição do incesto seria, então, pré-social.

Ora, vendo o Homem como ser social, é comum que produza normas com base à regulamentação dos seus relacionamentos com os seus semelhantes. Ainda que a lei da proibição do incesto possa ser comum a todas as sociedades, não significa que seja a base de todas as relações sociais, uma vez que a regulamentação das relações de parentesco e/ou entre os sexos poderá ter derivado de todo um leque de conflitos/contra-tempos originados pelas relações sociais [incestuosas] já existentes. Assim sendo, e apesar de se encontrar presente em todas as sociedades, esta norma poderá visar a protecção das relações de parentesco mas não de todas as relações sociais. Uma vez que as normas de proibição de relações incestuosas são arbitrárias, o parentesco surge como uma relação que pode nem sempre ser biológica – caso dos Bosquímanes, que estendem essa proibição a indivíduos que vivem sob o mesmo tecto e aos adoptados –, mas sempre como um dos tipos de relação social a salvaguardar. O parentesco surge como o elo máximo das relações sociais, o que não parece ser suficiente para definir a lei da proibição do incesto como base do estabelecimento das sociedades.




Bibliografia

Gaudelier, Maurice. Horizontes da Antropologia. 70, Col. Perspectivas do Homem. 14. s.d. (Original: 1973)

Lévi-Strauss, Claude. Estruturas Elementares do Parentesco. Vozes. Petrópolis. 1982

Ghasarian, Christian. Introdução ao Estudo do Parentesco. Terramar. 1999