segunda-feira, 8 de março de 2010

O papão

Não é bonito nem feio, nem bom nem mau. Segundo sei, considera-se justo. Os que o não conhecem fogem dele, mas é certo que o papão atravessa a vida de todos eles de uma forma ou de outra.

***

O papão acorda, desliga o despertador, trata da sua higiene e sai da gruta. os flashes das máquinas fotográficas obrigam-no a abrir os olhos, ainda ensonados. Cansado deste espetáculo, o papão abre o portão e dirige-se à multidão para que esta possa fotografá-lo sem que as grades incomodem o seu campo de visão. Assustados, os adultos agarraram nas suas crias, que tentavam correr na direcção do papão, e fugiram tão rápido quanto as suas pequenas pernas e os seus braços carregados o permitiram.

Cabisbaixo, o papão seguiu o seu caminho para fora do zoo, resistindo aos tratadores que tentavam impedi-lo de sair os portões.

Lá fora, tudo lhe parecia imenso. O céu, a terra e o mar ganharam uma nova dimensão. As árvores, as plantinhas e as pedras da calçada pareciam sorrir-lhe intensamente, mas todas aquelas que o haviam fotografado fugiam do papão a sete pés. Tentando compreender o que se passava, sempre afável, o papão continuou a [tentar] falar com as pessoas para tentar saber porque fugiam dele.

Tentou, continuou a tentar e, mesmo quando estava quase a desistir, continuou a tentar. Quanto mais tentava, mais triste ficava porque ninguém queria responder à sua pergunta. Até que, algumas janelas depois, debruçado para fora da janela do quarto, se encontrava o menino dos olhos tristes, (...)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O menino dos olhos tristes

(…) com os seus olhos pequeninos e fugazes, cheios de energia, divertidos e atentos ao mesmo tempo. Nessa noite, o menino, discreto, não escapou ao olhar atento do papão, que não se preocupou em esconder o que sentia. O papão rodopiou, saltou, cantarolou e gritou, correu as ruas da aldeia para a frente e para trás, mas onde quer que estivesse, apenas desejava olhar para os olhos pequeninos e vivos do menino.


Quando o menino foi embora, os olhos do papão perderam o brilho. O papão percebeu que tinha de voltar a encontrar o menino. Abordou pessoas na rua, abordou os cães e os gatos, abordou os pássaros e o sol e ninguém lhe soube dizer onde se encontrava o menino. Esperou pela lua e fez-lhe a mesma pergunta. A lua disse-lhe que o menino tinha pedido a uma nuvem para esconder o brilho dos seus olhos atrás de uma cortina de água que corresse sem parar.


Indignado, o papão pediu a outra nuvem que escondesse o pouco brilho que lhe restava, pois se o menino tinha decidido não brilhar por si só, o papão rapidamente percebera que não bastaria brilhar para si só para ser feliz. O papão queria partilhar o seu brilho com o menino e queria que o menino lhe desse o prazer de brilhar para ele. Mas o menino parecia não querer ouvir o que vento lhe dizia.


Certo dia, o vento levou ao menino a notícia de que todo o Mundo perdera o seu brilho encantador. O menino convocou todas as nuvens do céu e ordenou-lhes que fizessem cair todas as cortinas de água que tapavam o brilho dos olhares de toda a gente. As nuvens cumpriram a ordem do menino, excepto uma nuvem resistente que cobria ainda o olhar do papão. O menino procurou o papão e, brilhando só para ele, conseguiu que o papão brilhasse também. E agora que os olhos do menino brilhavam e agora que os olhos do papão e de todo o mundo brilhavam, o menino percebera que apenas por brilhar, faria o seu mundo mais feliz.