terça-feira, 10 de novembro de 2009

Jaime, segundo Virginia Woolf


«Nasci com o dom de formar palavras e sopro as minhas bolas de sabão através do mundo. São observações espontâneas como estas que me permitem diferenciar-me, construir-me; e ao escutar a voz interior que me diz para anotar tudo o que encontro nas minhas deambulações, imagino que nasci destinado a encontrar, numa noite de Inverno, o sentido de todas as coisas, o fio que as liga, o resumo que completa. Mas os solilóquios em ruelas laterais depressa se tornam insípidos. Preciso de auditório. Essa é a minha fraqueza. É ela que perturba a marcha das minhas conclusões, e impede a sua formação. Sou incapaz de me sentar nos fundos de um restaurante sórdido e pedir dia após dia a mesma bebida até ficar completamente impregnado desse fluxo, dessa vida. Moldo a minha frase e precipito-me com ela para um quarto mobilado, onde dezenas de velas a farão brilhar. Necessito do olhar dos outros para desenhar todos estes ornamentos e enfeites. Para ser eu (sei isso) preciso da iluminação dos outros e é por isso que nunca estou completamente seguro de mim.

(...)

Depois desta sonolência em que mergulhei, desejo brilhar em inúmeras facetas à luz do olhar dos meus amigos. Acabo de atravessar regiões sombrias da não-identidade. Estranha terra. E ouvi, nesse momento de apaziguamento, nesse instante de embrutecedora satisfação, ouvi o suspiro da maré que se movimenta para lá deste circulo de luz resplandecente, para lá deste pulsar de vida, furioso e insensato. Tive um momento de imensa paz. Talvez a felicidade seja isto. Agora retrocedo sob o impulso de pungentes sensações, pela curiosidade, pela inveja e pelo irresistível desejo de ser eu.

(...)

Qualquer pessoa me serve, não sou exigente. Serve-me o varredor de ruas, o carteiro, o empregado deste restaurante francês. Mas preferia mesmo assim o amável proprietário cujo acolhimento parece a cada cliente uma honra que lhe está particularmente reservada. Com as suas próprias mãos prepara a salada para um cliente privilegiado. Quem é esse senhor e de onde lhe vem o privilégio? E que diz ele àquela dama de brincos pendentes? É uma amiga ou uma cliente? Desde que me sentei nesta mesa sinto uma deliciosa confusão de incertezas, de possibilidades, de hipóteses. As imagens formam-se por geração espontânea. Sinto-me incomodado com a minha própria fecundidade. Seria capaz de descrever com a maior profusão de detalhes cada cadeira, cada mesa, cada comensal. O meu espírito zumbe por aqui e ali, pronto a cobrir todas as coisas com um véu de palavras. Falar, mesmo que apenas para pedir vinho ao empregado, é provocar uma explosão. O foguete é lançado nos ares. Os seus grãos dourados caem e fertilizam o solo da minha imaginação. O imprevisto desta explosão está na alegria de comunicar. Quem sou eu misturado com este desconhecido empregado? Neste mundo não existe estabilidade. Quem será capaz de exprimir o significado das coisas? Quem pode prever o voo que uma palavra descreve depois de dita? É um balão que plana sobre as árvores. E o esforço de conhecer é sempre inútil. Tudo é experiência e aventura. Constantemente formamos novas combinações de elementos desconhecidos. O que está para vir? Ignoro-o completamente. Mas no momento em que pouso o copo sobre a mesa a memória volta. Esta noite janto com os meus amigos. Sou eu.»


Virginia Woolf, "As Ondas"

sábado, 10 de outubro de 2009

OFERECE-SE


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quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Declaração de amor (V)

E quando voltei a olhar, tinhas já dobrado a esquina.

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Domingo; o dia perfeito para passear em Lisboa. É de manhã e o sol ainda não está alto, a temperatura amena e o miúdo não tem frio. Acordou cedo e quis sair com o pai à rua. Preferiu abdicar dos desenhos animados para passear um pouco. Agarrei-lhe a mão e segui o cheiro até à pastelaria mais próxima. Ainda não tinhamos tomado o pequeno almoço.

Como se não bastasse, tinha de ser esquisito como o pai. Prefere os pães caseiros integrais mal cozidos. - Duas fatias finas de pão sobrepostas, intercaladas com um pouco de queijo, fiambre, alface e ovo cozido cortado às rodelas, maionese e oregãos; - E um néctar de manga fresco, sem gelo, pediu com desenvoltura. - Para mim também, por favor. Que pequeno almoço, pensei.
E, de relance, pareceu-me ver-te novamente. Saí lentamente da pastelaria. Atravessavas a estrada; dirigias-te para a loja de doces. Entraste; esperei que saísses.

Fiquei espantado ao ver-te com uma mulher. Creio que a tua expressão indicava o teu espanto não só por me ver mas também por saberes que te tinha visto com ela. Se nos tivessemos falado estou certo de que a tua resposta ao meu "Não mudaste nada..." seria algo como "Estás um bocadito mais gordo..."; mas bastou-nos o olhar. Não havia nada mais para dizer; não havia nada mais a fazer.
Tenho a certeza de estares tão feliz quanto eu. Percebi no teu olhar e no teu sorriso que atingiras os teus objectivos da melhor forma; eu também atingi os meus. Lamento que, durante todos estes anos, tenha desejado tanto a tua presença; espero que, durante todos estes anos, não tenhas também desejado a minha.
Não escondo que te amei, apenas sinto que foi melhor assim. Não melhor para mim, não melhor para ti; foi melhor para ambos. Não nos teríamos suportado e, agora, seríamos dois completos desconhecidos. Dois estranhos que evitam olhar um para o outro quando se cruzam na rua, embora sofram com essa mútua atitude. E tu sabes que prefiro sofrer com aquilo que fiz do que com aquilo que não ousei fazer.
- Pai, quem é aquela senhora?
Não pude deixar de me rir. Ah, magano, pensei eu, sais ao pai!


FIM


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sábado, 8 de agosto de 2009

Declaração de amor (II)


Conseguiste que te odiasse de forma irascível. Não acredito que o quisesses, mas é já tarde demais para voltar atrás. E pensar que, a meu ver, completavas o meu dia.
Olhando para trás consigo perceber que, em certas alturas, tentaste destruir tudo o que de bom pudesse rodear-me. Olhando para trás consigo perceber que, em certas alturas, não me amaste; e como se não bastasse conseguiste deixá-lo bem claro. Só que, a meu ver, eras dEus; o meu ídolo, a minha diva.

Sim, ceguei e tenho plena consciência disso. Amei-te demasiado, sim. Mas, analisando a situação - como tanto eu gosto de fazer -, chego à conclusão que fiz tudo aquilo que estava ao meu alcance para te manter por perto. Fiz precisamente o que devia ter feito. Entreguei-me a ti e esperei que te entregasses a mim, sem nunca te exigir o teu amor. Exigi-te que partilhasses o meu espaço sem tentar invadir o teu, exigi que me conhecesses e que me desses a conhecer um pouco mais de ti, exigi a tua presença de espírito numa relação que considerei condenada a priori, mas nunca te pedi que me amasses; só queria que estivesses lá. E, assim, mantiveste-te a meu lado. Pelo menos o teu corpo tocava no meu, iludindo-me um pouco, deixando que tomasse a tua mente pelo teu toque.
Mas foram mais as vezes em que aproveitaste para me humilhar levemente perante todos os presentes do que aquelas em que me senti incapaz de te apoiar.
Foram mais as vezes em que fizeste notar o teu cansaço ou indisponibilidade para passar um pouco mais de tempo comigo do que aquelas em que recusei acompanhar-te para onde quer que fosses.
Foram mais as vezes em que falaste bem de mim aos outros do que aquelas em que admitiste sentir-me a falta.
Foram mais as vezes em que vacilaste do que aquelas em que te dispuseste a amar-me. E só não foram mais as vezes em que te decidiste a abandonar-me porque essa foi das poucas decisões que tomaste sem vacilar.

Resta-me recordar o bom que foi, resta-me sentir o teu cheiro nos lençóis, resta-me ouvir a tua voz a cada esquina, resta-me imaginar-te nos meus braços, resta-me sonhar contigo. E uma vez que o ódio é a mais pura forma de amor, prefiro que me odeies a ser-te indiferente. E eu espero; espero que um dia o ódio seja esquecido e que, então, eu seja capaz de não te amar.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Declaração de amor (III)


Amsterdão, 26/09/2009

É assim que das cinzas de uma velha paixão, do único amor que alguma vez conheci, consegue nascer uma nova paixão, um novo começo para o desespero. Se me perguntasses porque passei tanto tempo sem olhar para ti, eu não te saberia responder. Não há motivo algum para que eu possa ter ignorado ou reprimido aquilo que via em ti - ou, pelo menos, não durante tanto tempo.
Acompanhaste-me, mimaste-me com os teus beijos e com os teus abraços, preocupaste-te, falaste comigo sobre mim, sobre ti, mas nunca sobre nós. Nunca pensei que fossem bons ingredientes para um romance duradouro, tal como se avizinha. Sinto-me feliz por poder estar a teu lado. És uma pessoa simpática, inteligente e perspicaz, atenciosa e preocupada; és quem me completa.
Espanta-me saber que uma pessoa tão simples pode apreciar uma pessoa como eu, que me considero tão sofisticado, sempre à procura da última inovação científico-tecnológica. Espanta-me saber que uma pessoa tão ingénua como tu possa apreciar em mim a minha tentativa de compreender tudo e todos, de explicar o mundo, reduzindo-o à sua mecânica insignificância. Espanta-me olhar para a tua beleza e saber que te prendeste a mim. Tens uma cara expressiva e apaixonante, um corpo magnífico e um espírito digno de um dEus. Podias ter qualquer homem - ou qualquer mulher! - e escolheste-me a mim. Ainda hoje me pergunto porquê.

Avizinha-se o princípio de uma história com pernas para andar. Finalmente, encontro alguém que apenas precisa de estar a meu lado para me fazer feliz. Não preciso que seja mais nem menos. Não me pede que seja mais nem menos. Basta-me a sua presença a meu lado para me fazer sentir bem. Não há uma explosão emocional; não me parece que o meu peito vá rebentar a qualquer momento. A sensação não é opressiva; a sensação não me deixa sem fôlego. Será amor?...

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Declaração de amor (I)


Bem sabes que nunca amei ninguém antes de olhar para ti. Conheci-te, apaixonei-me, manifestei-te a minha vontade de estar a teu lado, conheci-te um pouco melhor e amei-te com todas as minhas forças. Entreguei-me à sofreguidão do teu olhar, à força do teu toque e à irresistibilidade do teu charme. Afundei-me na imensidão do teu mundo, tão vasto e especial, diferente de todos os outros que alguma vez conseguira alcançar.

O som da tua voz ao longe era suficiente. Ainda assim, o teu toque e o teu beijo eram os ingredientes da fórmula secreta que me fazia levitar. Com o tempo, a necessidade desse toque consumiu-me por dentro e tornou-me feliz como nunca me sentira, tornou-me apenas parte do corpo e do espírito que fomos. O teu corpo e o meu foram um só; sem a ti a meu lado, eu não me sentia completo.
Quando as nossas vozes se calavam, ouvíamos música. Ouvimos música nas mais variadas situações e escolhemo-la a dedo para todas elas. Ainda me recordo de uma manhã, que começou com Caribou e Notwist, em que ameaçaste casar-te comigo quando fiz panquecas para o pequeno almoço. Ainda me recordo da noite em que assitimos ao concerto de Mogwai e ao chegar a casa te enfadei com um pouco mais do mesmo, só porque sim. Ainda me recordo das tardes que passámos deitados lado a lado ao som das minhas listas de reprodução esquizofrénicas; e recordo-me daquelas vezes em que demorei tanto a construí-las que te levei a ponderar se estarias no sítio certo à hora certa... e, quiçá, com a pessoa certa.
Recordo-me dos telefonemas que recebi da Holanda e da Bélgica em que confessaste a saudade que sentias da minha companhia. Recordo-me da nossa viagem de três dias. E lembro-me que aquilo de que mais gostaste foi de fazê-la comigo a teu lado. E, sim, lembro-me de ter ficado perplexo com essa tua afirmação.
Lembro-me de todas as vezes que vieste ter comigo de madrugada, só porque sim. Oh, sim!... como me sabia bem ter-te depois de uma noite de trabalho...
Lembro-me do calor que sentia no peito ao ver-te entrar a porta do bar. E lembro todas as vezes em que o meu peito gelou porque me fazias ficar a desejar que não tivesses vindo.

Sempre me perguntei se olhavas para mim e para os outros com esse mesmo olhar de prazer, que revela a tua paixão por aquele que tens em cima de ti; calei-me e guardei o pensamento só para mim, pensando que eu era especial. Eu sentia que era; eu senti que fui. Eu senti que deixei de ser.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Declaração de amor (IV)

Olho para os meus três filhos e vejo a imagem da pessoa com quem me juntei. São bonitos, saudáveis, felizes. Gostam de brincar uns com os outros e dão-se bem com as outras crianças.
O primogénito gosta de correr e de saltar; não gosta de estar parado. Gosta de jogar à bola, andar de bicicleta, de patins, gosta de andar a pé horas e horas e parece nunca se cansar. Não consegue estar sentado à mesa durante muito tempo sem mexer os pés. É por isso que é tão magro, mas tem umas pernas bonitas mas musculadas e um corpo todo ele arredondado mas marcado pela masculinidade que o caracteriza. Tem um coração de ouro e todos gostam dele.
As gémeas provocam inveja às amigas e fazem parar os jogos de futebol dos rapazes, quando chegam perto. Todos os meninos admiram a sua beleza, mas elas não se deixam tocar! Dizem, com desenvoltura, que são "demasiado novas para pensar em namorados". Já o meu irmão dizia a mesma coisa em relação às meninas que lhe achavam piada. O engraçado é que uma gosta de usar calças por não se sentir confortável de saias; a outra prefere as saias e faz pouco da irmã que se veste "à menino".
Gostam de comer muito e bem e não são esquisitos com as saladas.
À noite, não tardam a adormecer mas gostam de uma boa história contada pelo pai ou pela mãe. O meu filho, não tanto. Gosta de ler o seu livrinho de histórias sozinho no quarto; mas nunca adormece sem apagar a luz primeiro. As meninas ainda gostam de ouvir uma boa história encostadas a mim ou à mãe. Como vez à vez uma tinha de abdicar dos miminhos do pai ou da mãe, tivemos de trocar as camas delas por uma cama de casal para que se pudessem encostar à mãe ou a mim enquanto lhes contamos a história de embalar. Preferem dormir juntas a abdicar dos miminhos para adormecer.

Se este é o resultado da pessoa em que me tornei, então só tenho de admitir que gosto da vida que tenho. Nem tudo na minha vida é perfeito, mas o dia enche-se de alegria com estes pequenos momentos que acontecem desde que entro em casa até adormecer para começar um novo dia. Além disso, sei que te tenho a meu lado. És a minha companhia, a minha fonte de força, a minha luz, o meu prazer e a minha paz. Sem ti nada seria igual, mas sabes que não te amo.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

O que eu penso... da lei do incesto segundo Lévi-Strauss

“O problema da proibição do incesto não consiste tanto em procurar que configurações históricas, diferentes segundo os grupos, explicam as modalidades da instituição em tal ou tal sociedade em particular, mas procurar que causas profundas e omnipresentes fazem com que, em todas as sociedades e todas as épocas, exista uma regulamentação das relações entre os sexos.”

Lévi-Strauss, Claude, As Estruturas Elementares do Parentesco, Vozes, Petrópolis, 1982


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De acordo com Lévi-Strauss, ainda que fosse possível analisar-se a lei do incesto de um ponto de vista particular, analisando quais as «configurações históricas [que], diferentes segundo os grupos, explicam as modalidades da instituição em tal ou tal sociedade» (Lévi-Strauss, 1982), este autor preferiu atribuir-lhe o estatuto da norma que define a passagem do âmbito da natureza para o âmbito da intervenção cultural e, portanto, humana, sobre as normas naturais. A lei do incesto – ou a lei que determina a sua proibição – surge, então, analisada conjuntamente com a exogamia, a troca e a reciprocidade e é explicada não por motivos psicológicos, mas por motivos sociológicos. Ao originar a exogamia, que obriga a procurar mulheres noutro local que não o próprio grupo de parentesco, a proibição do incesto, de acordo com Lévi-Strauss funda a vida social e, como tal, a história da influência da cultura sobre as normas naturais – «assegura a primazia do social sobre o biológico, do cultural sobre o natural» (Lévi-Strauss, 1982).

«Lévi-Strauss coloca a aliança no terreno dos contratos e das dívidas, assentando uns e outros numa confiança recíproca» (Christian Ghasarian, 1999). «A natureza impõe a aliança sem a determinar; e a cultura recebe-a para logo lhe definir as modalidades» (Lévi-Strauss, 1982). Lévi-Strauss vai associar o tabu do incesto ao estabelecimento de alianças – entendam-se, exogâmicas – entre grupos de parentesco, isto porque estes devem estabelecer bases relacionais estáveis e pacíficas. A regra de exogamia origina cooperação e entreajuda com base no princípio de reciprocidade, o que torna a proibição do incesto na expressão negativa de uma lei de troca (de mulheres) e na expressão parcial do princípio da reciprocidade (Christian Ghasarian, 1999).

A proibição do incesto nem sempre se exprime em função do parentesco real, mas tem sempre por objecto «os indivíduos que se dirigem uns aos outros empregando certos termos» (Maurice Godelier, s.d.). «A proibição do incesto exprime a passagem do facto natural da consanguinidade ao facto cultural da aliança» (Maurice Godelier, s.d.). «A proibição do incesto constitui uma certa forma (…) de intervenção» (Maurice Godelier, s.d.).

Ora, uma vez sabendo que as modalidades de proibição do incesto nem sempre se prendem com o parentesco real, é possível concluir pela arbitrariedade da norma: ainda que o seu princípio seja universal e comum a todas as sociedades, as suas particularidades «variam consideravelmente no tempo e no espaço» (Christian Ghasarian, 1999). Resta saber quais as «causas profundas e omnipresentes fazem com que, em todas as sociedades e todas as épocas, exista uma regulamentação das relações entre os sexos» (Lévi-Strauss, 1982).

Qual o motivo da presença da lei de proibição do incesto em todas as sociedades? De acordo com Lévi-Strauss (1982), a proibição do incesto, encontra-se na base de todas as relações sociais e, como tal, funda a vida social; é a necessidade de se relacionar com os seus semelhantes que origina a lei da proibição do incesto que, por sua vez está na origem das relações sociais. A lei da proibição do incesto seria, então, pré-social.

Ora, vendo o Homem como ser social, é comum que produza normas com base à regulamentação dos seus relacionamentos com os seus semelhantes. Ainda que a lei da proibição do incesto possa ser comum a todas as sociedades, não significa que seja a base de todas as relações sociais, uma vez que a regulamentação das relações de parentesco e/ou entre os sexos poderá ter derivado de todo um leque de conflitos/contra-tempos originados pelas relações sociais [incestuosas] já existentes. Assim sendo, e apesar de se encontrar presente em todas as sociedades, esta norma poderá visar a protecção das relações de parentesco mas não de todas as relações sociais. Uma vez que as normas de proibição de relações incestuosas são arbitrárias, o parentesco surge como uma relação que pode nem sempre ser biológica – caso dos Bosquímanes, que estendem essa proibição a indivíduos que vivem sob o mesmo tecto e aos adoptados –, mas sempre como um dos tipos de relação social a salvaguardar. O parentesco surge como o elo máximo das relações sociais, o que não parece ser suficiente para definir a lei da proibição do incesto como base do estabelecimento das sociedades.




Bibliografia

Gaudelier, Maurice. Horizontes da Antropologia. 70, Col. Perspectivas do Homem. 14. s.d. (Original: 1973)

Lévi-Strauss, Claude. Estruturas Elementares do Parentesco. Vozes. Petrópolis. 1982

Ghasarian, Christian. Introdução ao Estudo do Parentesco. Terramar. 1999