Parte 3
Do desenho

Pediste-me um desenho. Decidi-me pelas três caricaturas que te apresentei, cada uma do diâmtetro de um pequeno damasco. Não eram amargas nem doces, tão pouco satifatórias; até o damasco te teria servido melhor: poderias acariciar-lhe a pele, abocanhá-lo com vigor e saboreá-lo como se do acordar numa manhã soalheira se tratasse.
No entanto, admiro-te pela sofreguidão com que admiraste a composição disconexa que tracei no bloco que me confiaste. O teu elogio silencioso pesou-me no peito, acalmou-me e fez-me repensar um pouco aquilo que sou - aquilo em que me tornei.
Inacabado, como qualquer outro indivíduo que me rodeia, ainda busque diariamente novas formas de enaltecer a fraca personalidade que me consome. Não a quero, rejeito-a.
Olho-me ao espelho e vejo um pouco de mim no canto do quarto - o meu reflexo, sem dúvida; grita e gesticula, procura não ser agarrado pela inércia e estatismo da cultura de massas da sociedade actual. Afasta-se cada vez mais e deixa bem claro que nada poderei fazer para o recuperar. Abandono o meu próprio reflexo e repenso-me enquanto sombra: um ente negro, obscuro, desinteressante, e recupero a necessidade de aprender, porque sou trabalho inacabado, sou todos excepto aquele que idealizei ser.
Foco o espelho, de novo, redobrando a atenção. Fixo-me num ponto mais próximo: o castanho dos meus olhos, que se aproxima do negro enquanto a luz espelhada se revela num novo mundo que tenciono explorar.
Drawing by kmpyy (edição: Jaime Mascarenhas de Almeida)
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