segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

Reflexo (4)

Parte 2
A luzinha de Natal ou a mancha gráfica literária



Entro. Saio. Entro novamente e volto sair para a rua. Salto a poça de água que olha para as minhas narinas, vistas de baixo. Que horror. Não caio. As calças estão cada vez mais molhadas e cobertas de lama, mas não me importo; estou cada vez mais próximo da brancura da neve. O autocarro atravessa-se à minha frente, sobre uma outra poça (deviam ser primas) que se transformou em muitas gotinhas de água imunda. Eu imundo, agora. O motorista do autocarro segue viagem e os passageiros seguem-no, olhando para trás, para a aberração. Afinal, as aberrações ainda têm piada hoje em dia. Molhado, sujo, pensativo, sigo devagar até à paragem inexistente a 200 metros de minha casa. Os headphones (e não earphones) abafam os ruídos do exterior, de forma a que não tenha de me preocupar com nada, a não ser com a violação da minha própria mãe. O meu pai não se importa, por isso, alguém tem de se preocupar. A minha avó não gosta dela, mas eu sei que o meu avô se preocupa. E quer deserdá-la mas não pode. Por isso é que eu me preocupo, por não ter mais nada que fazer. Não tenho dinheiro, não quero ter amigos, não gosto de meninas com mamas muito grandes (agora há uns soutiens push-up, aumentam o tamanho das ditas cujas) e saias proporcionalmente curtas, não gosto de ler, não gosto da música que estou a ouvir e quero ver o tecto a girar de novo. Scratch scratch. Everything is everything. E enviar mensagens ridículas sabendo que a esperança de morrer acompanhado morre antes de ter nascido. Receber mensagens sem nexo e cair em desespero. Porque os animais também choram mas só quando as pessoas não estão a ver. Como no Toy Story, porque os brinquedos se mexem. Tirem-me desde mundo onde toda a gente se odeia em silêncio, porque eu também os odeio a todos ainda que não o diga... ou talvez não. A dependência é tão elevada. Morro sozinho sabendo que estou acompanhado e não quero estar. Mas eu sei que a culpa é minha. A neve começa a cair antes que eu consiga chegar à Faculdade de Psicologia, porque fiquei preso na faculdade ao lado. E faço mais um esforço, luto contra tudo e todos, contra a minha própria saudade e salto o telhado de novo. O salto parece perigoso aos que vêem de fora, mas para mim é apenas mais um salto em busca de algo maior. Aterro mal, cai-me a alma aos pés e é varrida pelos varredores da Câmara. Vai para o lixo, claro, até porque é uma mer**. Mas luzinha de Natal brilha, brilha lá no céu e não me deixa sozinho por muito tempo. O menino Jesus até gosta de mim, apesar de dar o cú (eu odeio que ele dê o cú) e o Cristo Rei tem os braços abertos às pessoas que se dirigem para a Margem Sul. Lisboa não é assim tão boa quando isso. Chego a casa e janto. Sem tomar banho, uma vez mais. Não tomo banho desde sexta e não me sinto mais porco do que todos os dias. Preciso de mais um cigarro enrolado com mortalhas saborosas ao som da selecção musical do tio Pedro. E talvez seja a solução para todos os meus males...

2 comentários:

rita disse...

Enrola os problemas numa das tuas mortalhas saborosas. Fuma-os. E, quando não forem mais que cinza, pisa-os e sorri.


Beijo*

Jaime de Almeida disse...

e o fumo que me aquece os pulmoes?