quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Declaração de amor (V)

E quando voltei a olhar, tinhas já dobrado a esquina.

***

Domingo; o dia perfeito para passear em Lisboa. É de manhã e o sol ainda não está alto, a temperatura amena e o miúdo não tem frio. Acordou cedo e quis sair com o pai à rua. Preferiu abdicar dos desenhos animados para passear um pouco. Agarrei-lhe a mão e segui o cheiro até à pastelaria mais próxima. Ainda não tinhamos tomado o pequeno almoço.

Como se não bastasse, tinha de ser esquisito como o pai. Prefere os pães caseiros integrais mal cozidos. - Duas fatias finas de pão sobrepostas, intercaladas com um pouco de queijo, fiambre, alface e ovo cozido cortado às rodelas, maionese e oregãos; - E um néctar de manga fresco, sem gelo, pediu com desenvoltura. - Para mim também, por favor. Que pequeno almoço, pensei.
E, de relance, pareceu-me ver-te novamente. Saí lentamente da pastelaria. Atravessavas a estrada; dirigias-te para a loja de doces. Entraste; esperei que saísses.

Fiquei espantado ao ver-te com uma mulher. Creio que a tua expressão indicava o teu espanto não só por me ver mas também por saberes que te tinha visto com ela. Se nos tivessemos falado estou certo de que a tua resposta ao meu "Não mudaste nada..." seria algo como "Estás um bocadito mais gordo..."; mas bastou-nos o olhar. Não havia nada mais para dizer; não havia nada mais a fazer.
Tenho a certeza de estares tão feliz quanto eu. Percebi no teu olhar e no teu sorriso que atingiras os teus objectivos da melhor forma; eu também atingi os meus. Lamento que, durante todos estes anos, tenha desejado tanto a tua presença; espero que, durante todos estes anos, não tenhas também desejado a minha.
Não escondo que te amei, apenas sinto que foi melhor assim. Não melhor para mim, não melhor para ti; foi melhor para ambos. Não nos teríamos suportado e, agora, seríamos dois completos desconhecidos. Dois estranhos que evitam olhar um para o outro quando se cruzam na rua, embora sofram com essa mútua atitude. E tu sabes que prefiro sofrer com aquilo que fiz do que com aquilo que não ousei fazer.
- Pai, quem é aquela senhora?
Não pude deixar de me rir. Ah, magano, pensei eu, sais ao pai!


FIM


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1 comentário:

Kiddo disse...

A-do-rei!
Tão simples e tão profundo.

I'll be back :)